segunda-feira, 4 de abril de 2011

Flamingos

Marta Sousa, nº16, 7ºC


Inês Fernandes, nº14, 7ºC




Tudo começou numa tarde de Primavera. O Sol irradiava por entre as entranhas da janela da cozinha que me iluminava enquanto fazia as lidas da casa. A brisa sussurrava por entre as cortinas brancas. Os pássaros assobiavam ao som da música que eu estava a cantar. Os meus pés dançavam ao ritmo da mesma melodia. E toda a minha preocupação desaparecia durante estes curtos momentos. Mas tudo isto acabava por desaparecer num abrir e fechar de olhos. Quando a minha mãe entrava pela porta dentro, a queixar-se sem parar, o mundo maravilhoso antes vivido deixava de existir. Era complicado aturá-la. Nunca se calava, passava a vida a dizer que eu nunca fazia nada enquanto era completamente o contrário. Eu tratava de tudo, comida, lavandaria, compras… A minha mãe fazia de mim uma escrava.

Nessa tal tarde, tinha saído e estava muito descansada a olhar para o rio que passava à frente da minha casa, e a pensar na minha vida desgraçada, quando ouvi um barulho que fez estremecer o chão. O objecto passou à minha frente e vi que era um carro. Só conhecia “a coisa” dos livros pois nunca tinha visto nenhum de verdade. Eu era uma jovem flamingo do campo, e achava que nada na vida me iria tirar de lá.

Dentro desse tal carro encontravam-se, três flamingos. Uma fêmea, que provavelmente seria a mãe, um macho que deveria ser o pai e um flamingo mais novo, logicamente o filho. A minha mãe que também tinha ouvido o barulho do carro, foi imediatamente ver o que se passava lá fora. Soube que estavam perdidos e sem gasolina. Aquela família não tinha para onde ir, e a minha mãe não conseguia ser tão cruel ao ponto de não os ajudar. Aproximei-me e meti-me na conversa. Ao fim de algum tempo, chegámos à conclusão que eles poderiam ficar alojados em nossa casa até encontrarem uma solução.

O filho deles era maravilhoso. Muito querido, mas, pensava eu com muita certeza, que ele nunca na vida iria olhar para uma campónia como eu. Os seus pais eram chiques e faziam questão de não fazer as suas necessidades nem tomar banho na nossa casa-de-banho pois diziam que éramos desarrumados e que não limpávamos. Tinham uma lata!

Mas o meu interesse era sem dúvida o jovem flamingo. Por mais que eu tentasse falar com ele, faltava-me sempre a coragem. Até que um dia, o encontrei no rio, e decidi, a medo, começar com um “olá”. Ele respondeu-me muito carinhosamente, com uma voz muito doce. Começamos a falar e entretanto ficámos amigos. Ao despedirmo-nos, ele deu-me um beijo muito suave, na minha bochecha, e eu fiquei tão contente que sentia as penas a bater! Eu estava a apaixonar-me, mas eu sabia que não devia pois nunca na vida teria hipóteses. Passaram duas semanas, ou talvez mais, e ainda não tínhamos arranjado uma solução para esta família. Por enquanto, teriam de continuar connosco. Estava nas nuvens, claro! Eu gostava imenso que ele estivesse lá em casa, e todas as quintas-feiras, começamos a ir juntos para o rio. A nossa amizade crescia cada vez mais. E um dia, decidi declarar-me. Eu amava-o e queria que ele soubesse. Nesse tal dia, ele também me queria contar uma qualquer novidade, mas pensei que teria a ver com os seus pais ou outro assunto desinteressante, e não liguei muito. Quando chegou o tal momento, estava a tremer em tudo o que era sítio. Que medo que eu tinha. Cheguei à beira dele, e ia começar a falar quando ele me interrompeu e disse que gostava de mim! Eu fiquei contentíssima! Beijei-o com toda a minha paixão! Ficámos namorados, mas achamos cedo de mais para contar aos nossos pais. Esperámos, esperámos, e quando contámos, foi a pior coisa do mundo. Os pais dele não gostaram nada da ideia, claro, pois eu era uma “rapariga do campo”. Foi a pior coisa que podiam ter dito. A partir daí passava os dias a chorar. Chorei, chorei, até que um dia a mãe dele me apanhou sozinha e disse:

– Olha a campónia a chorar, como não tem mais nada que fazer, o entretenimento dela deve ser chorar!

Nesse momento não aguentei. Sem dar nas vistas, peguei nas minhas roupas, no meu essencial, e decidi sair de casa. Não suportava mais ver aquelas pessoas. Ainda por cima eram intrusos na minha casa! Esperei pela noite, muito ansiosa para me ver livre daquele inferno. Quando a minha mãe me chamou para jantar, só me apetecia recusar, mas já sabia que teria de ouvir um sermão, por isso, fui, mas não olhei ninguém nos olhos. Fiz de conta que ninguém estava lá. Quando acabei, fui direitinha para o telhado, reflectir na minha vida. A minha decisão estava tomada, e nem o medo me impediria. Às 10 horas da noite, já todos estavam a sonhar. Fui para a cozinha, e pela janela saí de casa. Nem pensei nas consequências que teria a minha acção, simplesmente queria ver-me livre daquele mundo e começar uma vida nova.

Dirigi-me para Sul, com o meu pequeno saco rosa às costas. Procurei sobreviver sozinha durante dias e dias, até que um dia fui parar à porta de uma casa verde, muito colorida. Estava exausta e já não me aguentava em pé. Tinha de pedir ajuda a alguém. Os donos da casa acolheram-me de uma maneira muito carinhosa. Aquela família tinha algo de especial. Era uma família tão amável. Deixaram-me estar lá cerca de dois meses, e em seguida, parti. Procurei uma escola, pois não tinha idade para trabalhar. Encontrei uma escola de artes. Era espectacular. Inscrevi-me, e para surpresa minha, fui aceite. O primeiro dia de aulas foi estranhíssimo, não sabia o que fazer pois nunca tinha andado numa escola. Tentei fazer amizades, mas toda a gente me ignorava, pois as minhas roupas eram estranhas, eram roupas do “campo”. Deixei as amizades para trás, e concentrei-me unicamente na minha tarefa, estudar, para ter um bom emprego.

Passei semanas e meses sem um tecto, dormia na rua junto ao teatro municipal, e algumas vezes, a menina da limpeza até me deixava dormir lá dentro, mas pedia-me que não desse nas vistas para não lhe arranjar chatices. A escola oferecia-me o almoço, e o resto das refeições eram pequenas merendas que comprava com o subsídio que a escola me dava. Durante anos, vivi assim. As minhas notas eram altíssimas, e os professores gostavam imenso de mim.

No décimo segundo ano, ofereciam uma bolsa a quem ganhasse o concurso de teatro que ia haver no teatro municipal. Dediquei-me intensamente à preparação da peça. Mal comia. Durante semanas só pensava em treinar, repetir, ensaiar. No final, a minha peça teve um resultado acima das minhas expectativas. Eu tinha feito tudo sozinha, e os júris valorizaram muito isso. Lembro-me tão bem, de estar entre os vinte concorrentes, todos bem juntos no palco, à espera que anunciassem o nome do vencedor. E na hora em que o júri diz o meu nome, a minha cabeça explode de alegria. Tinha ganho a bolsa e o concurso. Com a bolsa, a escola ainda me ofereceu mais dez mil euros como prémio. Com os dez mil euros, arranjei um apartamento de luxo, até, porque naquela altura, tudo era muito mais barato. Fui para a universidade e tudo me corria bem. Fiz amizades com algumas raparigas muito talentosas e mais velhas, que me ajudavam em tudo. Quando acabei o curso, arranjei logo um emprego numa empresa de design gráfico. Ganhava milhares por dia. Certo dia, propuseram-me um trabalho importantíssimo, e como é óbvio aceitei. Tinha de fazer uma imagem e um slogan para uma empresa de móveis. Inicialmente não fazia ideia do que iria fazer, então pus-me a inventar e até saiu um desenho bonito, embora ainda faltassem uns pequenos retoques. Quando acabei, fui até à empresa entregá-lo. Quando cheguei à empresa imaginem quem lá encontrei. A “mulher a quem a minha mãe tinha dado casa” e o marido. Fiquei boquiaberta! “Só me faltava agora aparecer também o filho...” pensava eu naqueles momentos de raiva, e repentinamente, quem aparece? Ele! Fiquei triste, ao mesmo tempo que sentia o meu coração a bater furiosamente. Era verdade… passados tantos anos longe daquelas pessoas e daquela vida, eu ainda o amava. Fiz de conta que não os conhecia, mas o grande problema era que eu tinha de lhe entregar o trabalho a ele. Cheguei lá, entreguei o trabalho, e ele ficou a olhar para mim durante muito tempo e disse:

-És muito bonita! Fazes-me lembrar alguém que conheci há muito tempo atrás…Eu envergonhada nem respondi e saí do edifício a correr. Chorei durante noites e dias... esperando que a dor passasse. Mas o destino teimava em magoar-me e alguns dias depois tinha na caixa-de-correio uma carta dessa mesma empresa. Abri e dizia “Gostamos imenso do trabalho que a senhora nos entregou. Vamos com certeza utilizá-lo. E gostaríamos de a convidar para um convívio, onde estarão presentes as pessoas que contribuíram para o crescimento da empresa. Contamos com a sua presença. Os nossos sinceros agradecimentos.

Estava sem fala. E a minha primeira reacção foi recusar o convite. Mas pensei nas possibilidades que este convívio me ofereceria.

Quando cheguei à festa, fiz de conta que não conhecia ninguém, até que a mãe do meu amado veio ter comigo, e disse:

- Parece que a conheço. A menina não é a filha daquela simpática família que nos deu abrigo quando nos perdemos, há uns anos atrás?

Fui apanhada de surpresa e respondi:

– Sim, sou a “campónia” …

Ela ficou a olhar para mim durante muito tempo, vi a minha transformação e começou a pedir desculpa! Eu disse-lhe que já não tinha mal, pois se não fosse ela, nunca teria a vida que tinha actualmente. Ela levou-me até ao filho, e a reacção dele, foi dar-me um beijo. Eu fiquei tão... Sei lá! Uma sensação estranhíssima, mas no fundo muito agradável! Nunca na vida tinha estado assim. Ele pediu-me em namoro, e depois de três anos de um namoro feliz, casamo-nos e fomos viver com a minha mãe, que faleceu pouco tempo depois. Sofri, pois claro, mas não muito, porque apesar de ser minha mãe, nunca tinha actuado como tal.